domingo, 27 de maio de 2012

DESMISTIFICANDO O APOCALIPSE - Parte 2.

Reconstruindo a história.
Para que se compreenda o Apocalipse é necessário volver os olhares para o momento histórico vivido por João e pelas igrejas da Ásia Menor. Ainda sob o reinado de Nero (54-68 d. C.) os apóstolos Pedro e Paulo foram mortos na capital do império. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e Paulo decapitado. Nero foi o primeiro a perseguir os cristãos. Eusébio de Cesaréia afirma: “... Foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da piedade para com Deus” [1]. Porém, na época de João o Imperador em exercício era Domiciano (81-96 d.C).
Segundo o mesmo autor  Domiciano promoveu a perseguição, a apropriação de bens e o exílio de muitos – Domiciano deu provas de uma grande crueldade para com muitos, dando morte sem julgamento razoável a não pequeno número de patrícios e de homens ilustres, e castigando com o desterro fora das fronteiras e confisco de bens a outras inúmeras personalidades sem causa alguma.... Efetivamente ele foi o segundo a promover a perseguição contra nós,... ”. [2]
É neste ambiente político e social que João escreve: Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus”. Ap.1:9 - ARA.
J. Nelson Kraybill em seu livro culto e comércio imperial no apocalipse de João declara: “O conselho provinciano (koinon) da Ásia estabeleceu um culto de Roma e Augusto em Pérgamo em 29 a. C.,... Em 23 d. C., Esmirna tornou-se a segunda cidade da Ásia a conquistar o direito de estabelecer um centro provinciano de culto ao imperial,... Mileto estabeleceu um terceiro culto provinciano durante o reinado de Calígula”.[3]
Assim, compreendem-se as declarações de João ao escrever a igreja em Pérgamo: “Conheço o lugar onde habitas, onde está o trono de satanás, e que conservas o meu nome e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, meu fiel, o qual foi morto entre vós, onde satanás habita”. Ap.2:13 - ARA.
O autor supracitado alegar que no tempo do apocalipse aproximadamente 35 cidades da Ásia Menor já possuíam o título de “guardiã do templo” (newkoroV) para os divinos césares.
Não prestar homenagens cúlticas nos templos imperiais era uma deslealdade a Roma e ao imperador, passíveis de punição os que tais atos praticassem.
João menciona que a igreja de Esmirna sofreria em função de não se curvar diante de César para adorá-lo. Este sofrimento descrito pelo profeta com palavra “qliyiV cujo significado está associado à tortura, martírio e exílio (Mt.24:9,21; Mc.13:19; Ef.3:13; 4:1) esclarece melhor o momento vivido pelos irmãos no apocalipse.
Eram tempos difíceis! Os imperadores procuravam em função das constantes rebeliões enviar espiões aos diversos grupos sociais, políticos  e religiosos para informa-se de tudo que ocorria em seu império. Estes espiões eram chamados “delatores”, “informantes” ou “acusadores”. Eram responsáveis por denunciar supostos crimes contra o império.
Segundo William Barclay este fundo histórico causou vívida lembrança na mente dos leitores do apocalipse quando João chama o grande dragão de diabo - caluniador, acusador; pois desta forma João interpreta o termo diabo “... Pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite diante de nosso Deus. Ap.12:10b.
João testemunhava a aparição das bestas que surgiam em seus dias e que requeriam adoração como expressão de lealdade e devoção ao império romano representado na figura do imperador, tendo como centro de suas manifestações religiosas Roma, a capital do império e a província da Ásia Menor (Ap.13:1; 13:11; 17:3).
São contra as hostilidades, perseguições e idolatrias que Roma representa que João conclama os fiéis a resistência contra o mal, à fidelidade e a perseverança no Senhor Jesus mesmo que, diante da morte. A expressão “vencer” do grego “nikaw” ocorre 17 vezes no apocalipse, mais que em todos os demais livros do Novo Testamento juntos.
Muitos foram perseguidos como os irmãos em Esmirna (Ap.2:10), outros mortos, como Antipas em Pérgamo (Ap.2:13), muitos foram dilacerados pelas feras (Ap.6:8) e decapitados por causa do testemunho de Jesus (Ap.20:4).
Eram pessoas simples como qualquer outra em nossos dias, porém, transbordantes de fé e lealdade. Eles eram “... as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam”. (Ap.6:9).
Num ambiente de dores e sofrimentos causados aos filhos de Deus sob o império romano, e agora, representado no relacionamento que Roma mantinha com eles João declara: “... Poderoso é o Senhor Deus, que a julgou... Exultai sobre ela, ó céus, e vós santos, apóstolos e profetas, porque Deus contra ela julgou a vossa causa... o vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus e ele me será filho”. Ap.18:8, 20; 21:7.


[1] Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica.
[2] Idem.
[3] Kraybill, J. Nelson. Culto e comércio imperiais no apocalipse de João. - São Paulo: Paulinas, 2004. - (Coleção Bíblica e História).

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